terça-feira, 21 de março de 2017

Vitorino e a perpétua virgindade de Maria


Pouco do que Vitorino de Pettau escreveu chegou aos nossos dias. Mas ao que parece este antigo bispo fez alguns comentários relevantes para a virgindade perpétua de Maria nos seus escritos que não sobreviveram. Em resposta a Helvídio, que argumentou contra a virgindade perpétua de Maria, Jerónimo comentou:

"Você, se sentindo uma pessoa sem conhecimentos, usou Tertuliano como sua testemunha e citou as palavras de Vitorino, bispo de Perávio. De Tertuliano não direi senão que não pertenceu à Igreja. Mas com respeito a Vitorino, afirmo que já ficou provado pelo Evangelho - que ele falou dos irmãos de Nosso Senhor não como sendo filhos de Maria, mas irmãos no sentido que expliquei, ou seja, irmãos sob o ponto de vista de parentesco, não de natureza. Estamos, contudo, desperdiçando nosso percurso com ninharias e deixando a fonte da verdade, estamos seguindo insignificantes opiniões. Não poderíamos arrolar contra você toda a série de escritores antigos? Inácio, Policarpo, Ireneu, Justino Mártir e muitos outros homens apostólicos e eloquentes, que expuseram as mesmas explicações contra Ebião, Theodoto de Bizâncio e Valentino, que escreveram volumes repletos de conhecimentos. Se você alguma vez lesse o que eles escreveram, você se tornaria um homem sábio" (A Perpétua Virgindade da Bem-Aventurada Maria, Contra Helvídio, 19).

Em quem devemos acreditar em relação à opinião que Vitorino sustentava? Em Helvídio ou em Jerónimo? Haverá alguma maneira de discernir quem é mais credível? Haverá alguma razão para preferir um lado ao outro? Eu penso que temos boas razões para confiar em Helvídio em detrimento de Jerónimo sobre este assunto.

Em primeiro lugar, note-se que a posição de Helvídio é mais moderada e razoável. Ele apenas cita dois padres em apoio da sua oposição à virgindade perpétua de Maria, embora ele pudesse ter avançado com mais do que esses dois. Em contraste, Jerónimo afirma que "toda a série de escritores antigos" está do seu lado. Aparentemente Helvídio estava a ser mais cuidadoso com o que alegava.

E muito do que Jerónimo diz sobre os padres é impreciso. A sua desqualificação de Tertuliano é inconsistente com o que fontes anteriores disseram sobre ele e o quão influente ele foi durante o seu tempo e depois do seu tempo. Ver aqui. Tertuliano não pode ser descartado tão facilmente como Jerónimo sugere. Mas, pior ainda, nenhum dos padres referidos por Jerónimo defende a virgindade perpétua de Maria nos seus escritos existentes, e não temos razão para pensar que algum deles a defendeu em escritos que não existem mais. De facto, noutros lugares Jerónimo apenas menciona os oito documentos de Inácio e Policarpo que temos hoje, o que sugere que ele não tinha conhecimento de outros disponíveis na sua geração (Vidas de Homens Ilustres, 16-7). Eusébio, escrevendo várias décadas antes de Jerónimo, confirma que esses oito documentos era tudo o que havia sido preservado de Inácio e Policarpo (História Eclesiástica, 3:36, 4:14). Mas nem Inácio nem Policarpo defendem a virgindade perpétua de Maria em qualquer desses escritos. E nos seus escritos existentes, Ireneu parece contradizer a virgindade perpétua de Maria, em vez de afirmá-la (Eric Svendsen, Who Is My Mother? [Amityville, New York: Calvary Press, 2001], 101-2). Portanto, Jerónimo não só não demonstra a sua afirmação de que "toda a série de escritores antigos" concorda com ele, como a sua alegação é manifestamente falsa em relação a três dos quatro nomes que referiu e não comprovada em relação ao quarto (Justino Mártir).

Além disso, Jerónimo tenta descartar o que Helvídio cita de Vitorino, dizendo que ele interpreta Vitorino da mesma maneira em que interpreta as passagens bíblicas citadas contra a virgindade perpétua de Maria. Mas, uma vez que a opinião de Jerónimo sobre o material bíblico é incorreta, a sua opinião sobre Vitorino fica enfraquecida pelo seu reconhecimento de que aplica o mesmo tipo de raciocínio a Vitorino para reconciliar os comentários de Vitorino com a virgindade perpétua de Maria. E pode ter havido mais coisas nos escritos de Vitorino que eram problemáticas para a posição de Jerónimo. Visto o quanto Jerónimo deturpou os outros padres, não devemos assumir que o que ele disse sobre Vitorino é rigoroso. Mesmo que nos limitássemos ao que Jerónimo aborda de Vitorino, o seu reconhecimento de que aplica o mesmo tipo de raciocínio a Vitorino que aplicava à Bíblia é suficiente para justificar o favorecimento de Helvídio sobre Jerónimo. Mas pode ter havido ainda mais material contra a posição de Jerónimo em Vitorino do que aquilo que ele reconhece.

J.N.D. Kelly resume alguns dos problemas com a resposta de Jerónimo a Helvídio:

"A evidência do Novo Testamento ainda é debatida, mas a grande maioria dos estudiosos críticos concordam que a sua interpretação (de Helvídio), e não a de Jerónimo, é a correta. Os esforços de Jerónimo para contornar o significado óbvio dos textos são entendidos pela maioria das pessoas hoje como uma falácia da excepção, o subproduto da sua pré-convicção de que as relações sexuais são impuras. A sua lista de padres ortodoxos que o apoiariam era uma cortina de fumo desonesta típica do seu estilo de debate; é duvidoso que tenha tido qualquer estreito conhecimento dos escritores que listou, e ainda mais duvidoso é que eles tenham sustentado as opiniões que ele atribuiu a eles" (Jerome [Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2000], 106-7)

Kelly também aponta que a opinião de Jerónimo sobre a virgindade perpétua de Maria mudou ao longo do tempo, dado que ele inicialmente rejeitou a sua virgindade in partu, mas mais tarde a aceitou (106 e n.10 em 106). Esse desenvolvimento dá-nos mais razão para confiar em Helvídio do que em Jerónimo. Enquanto Jerónimo se retrata a si mesmo como aquele que mantém a tradição universal ortodoxa defendendo a virgindade perpétua de Maria, nós vemos a sua opinião sobre a virgindade in partu mudando ao longo do tempo, acompanhando a maré crescente de ascetismo.

Em suma, no contexto da sua discussão sobre Vitorino, Helvídio parece ser mais cuidadoso, mais rigoroso e mais consistente do que Jerónimo. E a própria descrição de Jerónimo daquilo que ele faz para reconciliar Vitorino com a sua posição dá-nos razão para confiar mais na leitura que Helvídio faz de Vitorino do que na de Jerónimo. Vitorino deve ser incluído na lista de padres que provavelmente negaram a virgindade perpétua de Maria.

Jason Engwer

domingo, 12 de março de 2017

Mitos sobre os Padres da Igreja e o Cristianismo primitivo


http://triablogue.blogspot.pt/2015/08/skeptical-myths-about-church-fathers.html
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...