sábado, 31 de outubro de 2015

domingo, 11 de outubro de 2015

As Igrejas primitivas eram governadas por anciãos ou um único bispo?


Há um (aparentemente) interminável debate entre teólogos e pastores sobre a forma apropriada de governo para a igreja. Por gerações, os cristãos têm discordado sobre que estrutura de liderança a igreja deve usar. Desde os bispos-condutores Anglicanos às igrejas dos Irmãos informais, há uma grande diversidade.

E um dos pontos fundamentais neste debate é a prática da igreja primitiva. Qual a forma de governo que os primeiros cristãos tinham? Evidentemente, a organização cristã primitiva é um assunto vasto e complexo, com muitas questões diferentes em jogo. Mas, desejo me focar num aspecto restrito: Eram as primeiras igrejas governadas por uma pluralidade de anciãos ou um único bispo?

Ora, deve notar-se desde já que pelo final do século II, a maioria das igrejas eram governadas por um único bispo. Por um qualquer conjunto de razões, o monoepiscopado tinha surgido. Muitos estudiosos atribuem este desenvolvimento a Inácio de Antioquia.

Mas, como era anteriormente? Havia uma estrutura de único-bispo no primeiro e princípio do segundo século?

A evidência do Novo Testamento em si parece favorecer uma pluralidade de anciãos como o modelo padrão. O livro de Atos diz-nos que à medida que os apóstolos plantavam igrejas, nomeavam "anciãos" (do termo grego πρεσβυτρος) para supervisioná-las (Atos 11:30; 14:23; 15:2; 20:17). Da mesma forma, em Tito é dito para "estabelecer anciãos em cada cidade" (Tito 1:5).

Uma palavra muito semelhante, πι,σκoπος (“bispo” ou “supervisor”), é utilizada em outros contextos para descrever o que parece ser o mesmo ofício de governo (Fil. 1:1; 1 Tim 3:1-7). A sobreposição entre estes dois termos é evidente em Atos 20:28 quando Paulo, dirigindo-se aos "anciãos" (πρεσβυτρους) de Éfeso, declara que “O Espírito Santo vos constituiu supervisores (πισκπους)”. Portanto, os escritos do Novo Testamento indicam que o ofício de ancião/bispo é funcionalmente a mesma coisa.

Mas, o que ocorre com a igreja após o Novo Testamento? Será que manteve o modelo de vários anciãos? Três breves exemplos sugerem que manteve esta estrutura pelo menos por um tempo:

1. A certa altura, a Didaqué aborda a questão do governo da igreja diretamente, “E assim, elejam para vós mesmos bispos (πισκπους) e diáconos que sejam dignos do Senhor, homens gentis que não amem o dinheiro, que sejam verdadeiros e aprovados” (15.1). É interessante notar que o autor menciona bispos no plural — não um único bispo governando — e que ele coloca esses bispos a par com o ofício de diácono, como o próprio Paulo faz (e.g., Fil. 1:1; 1 Tim 3:1-13). Portanto, como mencionado acima, parece que os bispos aqui descritos são essencialmente equivalentes ao ofício de "ancião".

2. Uma carta conhecida como 1 Clemente (c.96) também diz muito sobre a governação da igreja primitiva. Esta carta é atribuída a “Clemente” — cuja identidade permanece incerta — que representa a igreja em Roma e escreve à igreja de Corinto para tratar das repercussões de uma recente alteração na liderança. O autor escreve para convencer (não ordenar) os Coríntios a restabelecer os seus bispos (anciãos) que foram injustamente depostos. A carta afirma o testemunho do livro de Atos quando nos diz que os apóstolos inicialmente nomearam “bispos (πισκπους) e diáconos” nas várias igrejas que visitaram (42.4). Depois do tempo dos apóstolos, os bispos eram nomeados “por outros homens de boa reputação, com toda a igreja dando a sua aprovação” (44.3). Este é um eco da Didaqué, que indica que os bispos eram eleitos pela igreja.

3. O Pastor de Hermas (c.150) fornece outra confirmação desta estrutura de governo no século II. Depois de Hermas escrever a visão angelical num livro, é-lhe dito, “tu o lerás para esta cidade, na presença dos presbíteros que dirigem a Igreja” (Vis. 8.3). Aqui nos é dito que a estrutura de liderança da igreja é uma pluralidade de "presbíteros" (πρεσβυτρων) ou anciãos. O autor também usa o termo "bispo", mas sempre no plural e, frequentemente a par do ofício de diácono (Vis. 13.1; Sim. 104.2).

Em suma, os textos do NT e textos do princípio do século II indicam que uma pluralidade de anciãos era a estrutura padrão na fase inicial. Mas, como mencionado acima, a ideia de um bispo singular começou a predominar pelo final do século II.

O que levou a esta transição? A maioria dos estudiosos argumenta que foram as batalhas travadas pela igreja com os heréticos no século II que a levou a voltar-se para os principais líderes para defender e representar a igreja.

Esta transição é descrita notavelmente bem pelo próprio Jerónimo:

O presbítero é o mesmo que o bispo, e antes dos partidos terem sido levantados na religião pelas provocações de Satanás, as igrejas eram governadas pelo Senado dos presbíteros. Mas como cada um procurou apropriar-se daqueles que haviam batizado, em vez de levá-los a Cristo, foi designado que um dos presbíteros, eleito pelos seus colegas, devia ser estabelecido sobre todos os outros, e ter a supervisão principal sobre o bem-estar geral da comunidade... Sem dúvida é dever dos presbíteros ter em mente que pela disciplina da Igreja estão subordinados a ele que lhes foi dado como sua cabeça, mas é conveniente que os bispos, por seu lado, não se esqueçam que se eles estão estabelecidos sobre os presbíteros, é resultado da tradição, e não pelo facto de uma instituição particular do Senhor (Comm.Tit. 1.7).

Os comentários de Jerónimo proporcionam um grande resumo deste debate. Enquanto o modelo de único-bispo se pode ter desenvolvido por razões práticas, o modelo da pluralidade de anciãos parece remontar ao princípio.

Michael J. Kruger

Artigo online retirado desta página
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