“Não havia lugar para eles” (Lucas 2:7)
O evangelista leva o seu rigor descritivo até à escrupulosidade e faz-nos saber que na estalagem não havia lugar para Maria, para José e nem para o seu PEQUENO PRIMOGÉNITO.
O casal evidentemente encontrou asilo na grande guarida de uma pública estrebaria e o menino encontrou a sua primeira cama numa manjedoura, talvez cheia de palha.
Se a descrição de Lucas precedesse o nascimento do menino, poderíamos concluir que somente o casal de Nazaré não tinha podido gozar do benefício de uma estalagem, mas visto que o texto sagrado é meticulosamente exato ao dizer-nos que "para eles" não havia lugar incluindo nesse plural também o pequeno Jesus, podemos compreender que principalmente para este último se deve notar o grande contraste que aparece entre a sua grande realeza e a sua dolorosa entrada no mundo.
Com efeito, podemos notar que não havia nada de excecional no facto de um casal de condições económicas modestíssimas e chegado aos subúrbios de Jerusalém em período de sobrelotação ser repelido para as margens da competição pelos alojamentos.
No máximo seria possível avistar nesse episódio um quadro da dura batalha social que divide as populações de todo o mundo em pobres e ricos ou em gaudiosos e em sofredores. Não havia nada de excecional, repetimos, no caso de uma pobre família operária que não consegue obter um quarto de estalagem, mas bem que havia algo de excecional no facto do "Rei" não encontrar acolhimento ou albergue na sua terra.
Não um rei, mas o Rei viera para o seu povo, para os seus súbditos e eles lhe tinham negado um lugar; não somente lhe tinham negado um trono mas também um lugar, mesmo até o mais humilde na última dentre as estalagens de Jerusalém.
"Não havia lugar". O Natal não podia ser recebido entre as multidões; não podia ser posto à sombra de um asilo acolhedor ou de um palácio sumptuoso: devia ficar no estábulo, na manjedoura...
O pequeno menino passará ainda pelas ruas do mundo batendo à porta de cada estalagem, MAS NÃO ENCONTRARÁ nem sequer um ninho, nem sequer um covil. Os seus não quererão recebê-lo, e ele sentar-se-á a mesas que não serão suas e se refugiará em casas que não lhe pertencerão; cavalgará sobre um jumentinho tomado humildemente emprestado, morrerá sobre uma cama que será somente um patíbulo e descerá a uma sepultura que não lhe pertence... Ele continuará a ser Aquele para o qual "não havia lugar na estalagem".
Natal! Celebração da humilhação; exultação do aniquilamento. VÓS NUNCA ENCONTRAREIS O NATAL NOS LUGARES PARA ONDE OS HOMENS PROCURARAM TRAZÊ-LO: entre as festas, no meio das velas coloridas ou debaixo das árvores carregadas de presentes. Vós não o encontrareis nas mesas ricamente preparadas ou nos trilhos dos presépios artificiais; não o encontrareis à volta das lareiras que acolhem entre os braços do seu calor as famílias despreocupadas e um pouco inebriadas pelas festas de dezembro. Também não o encontrareis dentro das catedrais resplandecentes nos seus ornamentos de ouro ou nos cobertores dos seus equipamentos...
Não, não encontrareis o Natal em nenhum destes lugares como não o poderíeis encontrar em nenhum quarto das estalagens de Jerusalém ou de Belém porque "não havia lugar para Ele".
Nós podemos encontrar e reviver o Natal somente ali, onde ele nasceu: perto da manjedoura!
Longe de toda a grandeza humana, de todo o pensamento mundano. Separados do clamor desordenado de um povo em confusão, nós poderemos, no estábulo sem luz e sem glória, contemplar em adoração o "menino que nos nasceu".
Sem precisar de fazer aplicações místicas ou sem dar interpretações simbólicas, nós podemos dar ao nosso texto a fisionomia de uma chamada à humildade mais profunda, à sobriedade mais sã, à renúncia mais completa; aí está o Natal, aí está o glorioso Rei.
Nestes dias, infelizmente, quase todos perderam o sentido, o significado do Natal e por este doloroso motivo vemos substituído o espetáculo do Filho de Deus que nasce num estábulo e é deitado numa manjedoura com esse mais coreográfico e mais vivaz, mas menos real e absolutamente nada sublime, de uma solenidade religiosa carregada de fios de prata e de flocos de algodão.
Não, não há lugar para Ele; e também hoje tudo se acolhe e tudo se recebe, mas o Rei do céu continua a ficar de fora... Talvez Ele deva ficar aí para que um grupo de humildes pastores possa ser guiado até à sua cama pelo exército celestial que canta em redor do seu chefe.
Queremos unir-nos aos guardas vigilantes do rebanho? Queremos também nós desviar o olhar do espetáculo multicolor deste mundo para virá-lo para o pobre abrigo de Belém?
Prostremo-nos na humilhação e adoremos o Rei que não teve, que não tem e que não pode ter um lugar na estalagem deste mundo!
Meditação sobre o Natal! De Roberto Bracco.